quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Aborto, crime hediondo

Recentemente, o Governador Sérgio Cabral se manifestou pela abertura de discussões a respeito do aborto, usando um argumento tão simplista quanto irresponsável: “Quem nunca teve aquela namoradinha que ficou grávida?”.

A prática do aborto constitui crime dos mais hediondos que pode haver, não apenas porque praticado contra um ser absolutamente inocente e indefeso, mas também porque tem como algoz a própria mãe da vítima, aquela que, dentre todas as pessoas do mundo, mais deveria amá-la e protegê-la.

Hoje, o Código Penal brasileiro admite a prática do aborto em apenas duas hipóteses: quando for o único meio de salvar a vida da gestante (art. 128, I) e quando a gravidez resultar de estupro, devendo haver, neste caso a concordância da gestante (art. 128, II).

Inicialmente, cumpre dizer que, se analisarmos esse dispositivo legal, à luz da Constituição Federal e da ordem civil vigente, me parece razoável aceitar que se faça o aborto no caso do inciso I, ou seja, quando a gestação traga perigo real e iminente à vida da mãe; estaríamos, neste caso, diante de um conflito entre dois bens de mesma magnitude, quais sejam a vida da criança e a de sua mãe, parecendo-me compreensível salvar a segunda em detrimento da primeira.

Entretanto, quanto ao aborto em caso de estupro, é preciso que haja uma reflexão mais elaborada. A Constituição Federal destaca no caput do seu artigo 5º, como garantia fundamental, o direito à vida; na verdade, nem precisaria, já que se trata do que a doutrina jurídica chama de “direito natural”, ou seja, que transcende a legislação vigente escrita (direito positivo). Além disso, o Código Civil, logo em seu artigo 2º, garante direitos ao nascituro (o feto), antes mesmo de ter personalidade jurídica (“A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”).

Ora, se o bebê tem direitos já no ventre da mãe, e se o maior direito que temos é justamente o direito à vida, a mim me parece sensato concluir que o dispositivo do Código Penal que admite o aborto em caso de estupro é ilegal (já que o art. 2º do Código Civil teria revogado tacitamente o art. 128, II do Código Penal, anterior àquele). Pode-se inclusive argüir sua inconstitucionalidade, por afronta ao artigo 5º mencionado acima.

Análises jurídicas à parte, o que temos que entender é que há uma inaceitável distorção quando se discute a questão do aborto: as pessoas sempre falam do tema sob o ponto-de-vista egoístico da mulher, ou seja, de sua dificuldade em criar aquela criança, ou do seu constrangimento por ter sido o bebê resultado de um estupro, ou por eventuais problemas de má-formação fetal etc. Mas... e o ser inocente que será morto no ventre de sua própria mãe? E o sofrimento a ele causado? E o direito à vida que lhe é negado? O que fez ele para merecer tal punição?

O Governador Sérgio Cabral deveria ter a serenidade e a coragem de tomar a impopular medida de esclarecer que, nos casos de gravidez inesperada, surgida de relacionamentos eventuais, os pais têm que assumir a responsabilidade de seus atos; que nos casos de má formação e problemas congênitos da criança, os pais devem, sim, levar adiante a gravidez e cuidar daquele ser com todo o amor; e que nos casos de gravidez por estupro, o Estado deve providenciar toda a estrutura para abrigar aquele novo ser, absolutamente isento de culpa pelo ato de seu genitor.

É preciso que sejamos mais justos e humanos. Comecemos com nossos filhos queridos!

Grande abraço.

Douglas Drumond.