quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O feitiço e o feiticeiro

A doença do ex-presidente Lula trouxe à tona uma pertinente discussão acerca da qualidade do serviço público no Brasil: afinal, se todo governante garante que em sua gestão o serviço disponibilizado à população melhorou, que "fez muito e ainda poderá fazer muito mais", que, "agora sim, o povo tem um serviço público de qualidade" etc etc etc, por que razão eles próprios, quando precisam, procuram o serviço privado?

O ex-vice-presidente José Alencar, a então Ministra Dilma Rousseff, e, agora, Lula escolheram o Hospital Sírio-Libanês para tratar de seus tumores. Seria, obviamente, muita ingenuidade imaginar que, podendo escolher, qualquer um deles se submeteria a buscar os serviços do SUS para se tratar. Na verdade, nenhum de nós do povo, podendo escolher, optaria pelo serviço de saúde pública que nos é oferecido.

Vale destacar que um dos raríssimos serviços públicos de excelência que temos no Brasil é exatamente o serviço prestado pelo INCA (Instituto Nacional do Câncer), tido, nacional e até internacionalmente, como referência no tratamento contra a doença.

Entretanto, como mencionei, o INCA é exceção; a regra são as malfadadas e intermináveis filas de espera e a falta de estrutura, seja em termos de locais adequados, seja em termos de equipamentos modernos e de equipes treinadas. Conforme artigo do jornalista Elio Gaspari, “No andar do SUS, uma pessoa que teve dor de ouvido e sentiu algo esquisito na garganta leva uns trinta dias para ser examinada corretamente, outros 76, na média, para começar um tratamento quimioterápico, 113 dias se precisar de radioterapia. No andar de Lula, é possível chegar-se ao diagnóstico numa sexta-feira e à químio na segunda. A conta fica em algo como R$ 50 mil”.

Não vou cometer aqui a grosseria que alguns têm cometido, sobretudo pela internet, essa “terra de ninguém”, de dizer que “é bem feito...”, que “eu quero ver agora o Lula se tratar no SUS...” etc (é preciso respeitar o momento delicado por que passa o ex-presidente), mas mesmo assim, vale a reflexão: é sabido que a política que é feita no Brasil visa muito mais à manutenção do poder do que às ações efetivas em prol da população. É de se imaginar, então, que deveria haver previsão legal de que todos os membros dos três Poderes da República fossem obrigados a somente utilizar escolas e hospitais públicos. Assim, com certeza, a educação e a saúde públicas atingiriam o nível de um país sério...

É óbvio que ninguém vai imaginar que o serviço público vá ser melhor do que o que é prestado na iniciativa privada (via de regra, isso também não acontece em países desenvolvidos); mas as pessoas têm o direito de ter a sua disposição atendimentos de saúde e serviços educacionais minimamente nivelados aos oferecidos pela iniciativa privada.

O Presidente Lula tem o direito de se tratar pelo SUS e sair curado, da mesma forma que, se Deus quiser, vai acontecer em seu tratamento no Sírio-Libanês.

Grande abraço.

Douglas Drumond

Um comentário:

Licy Aslan Drumond disse...

A questão de se ter um serviço público de qualidade, tanto na saúde quanto na educação, depende unicamente de vontade política. Mas é claro, que mudança é o que menos interessa a esses sangue-sugas do poder e vilipendiadores do povo.
Em relação ao ensino público, nas décadas de 1940-1950-1960apresentava-o com excelência à população brasileira. União e Estado detinham os melhores professores. Notabilizavam-se as Universidades Federais e os Liceus como Pedro II no Rio de Janeiro, Nilo Peçanha em Niterói e, evidentemente, demais outros nas várias cidades do Brasil. É assim, quando eles querem, eles fazem. Acontece porém, que o interesse pelas soluções para a saúde e para a educação só se evidencia na hora do voto. E o que vemos é um povo doente e sem instrução. Os sites de relacionamento são o espelho cultural dos nossos jovens, os quais não tendo recebido um ensino de qualidade, não cultivando o hábito da leitura e não tendo comprometimento com aquilo que escrevem, depredam a lingua pátria "sem dó nem piedade". Contudo, não percamos a esperança. Os tempos podem mudar, e o nível de tolerância do povo também. Beijos. Parabéns pelo blog.