quarta-feira, 15 de abril de 2015

Ainda a redução da maioridade penal

Acabei de ver a esclarecedora e competente reportagem do programa Profissão Repórter sobre a redução da maioridade penal. Nela fica muito claro o equívoco que infelizmente o Poder Legislativo brasileiro está prestes a cometer, encarcerando jovens que deveriam estar sendo educados, ensinados, direcionados a uma vida de trabalho honesto e honrado.

A reportagem teve a felicidade de mostrar duas faces de uma mesma moeda: de um lado, a realidade sob a qual vivem crianças e adolescentes que acabam praticando atos infracionais, uma realidade cercada de pobreza, drogas, falta de estrutura familiar, e de inúmeros chamamentos à delinquência; de outro, um grupo de políticos ávidos por fazer seus nomes às custas da sensação de insegurança da população e da equivocada ideia que as pessoas têm de que diminuir a maioridade penal vai diminuir a violência.

Nessa ânsia por ganhar espaço político, assessorias de imprensa de parlamentares cercavam o repórter Caco Barcellos, para que seus assessorados, todos a favor da diminuição da maioridade penal, fossem entrevistados. Casos ridículos, como o de uma assessora, que abordou o repórter da Globo pedindo que entrevistasse um Deputado Federal que é jornalista e que, segundo ela, "tem uma coisa maravilhosa", que é um balde que ele coloca no chão do estúdio, e toda vez que ele não gosta de alguma coisa ele chuta o balde: "- Agora eu vou chutar o balde dos menores infratores! E chuta o balde"... É esse o tipo de gente que apoia essa irresponsabilidade social.

Pior, como parte do jogo, os parlamentares informavam números absurdos sobre a participação de adolescentes em ocorrências policiais, números esses divergentes entre eles mesmos, e depois desmentidos na própria reportagem (hoje a participação de adolescentes não chega a 2% do número de ocorrências, enquanto os números fornecidos pelos parlamentares eram de 10%, 30%, 60% e até 72%). Ficava visível tratar-se de gente que sequer sabia o que estava dizendo.

Ao mesmo tempo, a reportagem mostrou o bom exemplo vindo de Belo Horizonte, em que o adolescente detido num dia tinha sua audiência marcada para as 9h da manhã do dia seguinte, com um juiz, um promotor e um defensor, dali saindo já para cumprir a medida socioeducativa a ele imputada, tudo de forma clara e responsável.

Mostrou também o bom exemplo da Fundação Casa de Osasco, indicando que aquela instituição vem se transformando realmente em um local de reeducação e ressocialização dos internos que lá estão. Lá os adolescentes têm aulas com professores da rede pública de ensino e há reuniões periódicas com os pais dos adolescentes, na própria Fundação, onde eles têm a oportunidade de acompanhar o desempenho escolar dos filhos.

Entrevistou profissionais que trabalham com adolescentes infratores, e que portanto vivem essa realidade diuturnamente, tanto em Belo Horizonte, quanto na Fundação casa, em Osasco, os quais se posicionaram contra a redução da maioridade penal, dizendo o óbvio: que esses menores têm de ser orientados.

Entrevistada, a presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella, informou que os atos infracionais graves envolvendo morte praticados por adolescentes não chega a 3% dos casos da Fundação Casa, e disse que a maioria dos países trabalha com a idade penal de 18 anos, como é hoje no Brasil. Informou ainda que a reincidência em atos infracionais envolvendo menores da Fundação Casa, de 2005 para cá, caiu pela metade (de 29% para 15%), fruto exatamente desse trabalho de ressocialização, envolvendo atendimento individualizado, além do apoio e participação da família do adolescente.

Estamos vivendo no Brasil um momento político que envolve uma carga de ódio muito grande, da qual se nutrem certos políticos que irresponsavelmente buscam fazer suas carreiras. Isso é um erro muito sério, sobretudo quando a "bola da vez", o objeto de toda essa pirotecnia são nossos jovens.

Pensemos no Brasil com responsabilidade.

Grande abraço

Douglas Drumond.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

A peste da corrupção tem cura?

Normalmente, os textos que posto aqui no Las Brujas são meus; mas o artigo abaixo, do professor Luiz Flávio Gomes, é tão esclarecedor, que achei por bem transcrevê-lo na íntegra. Esclarecedor, porque mostra que, desde que, com responsabilidade, planejamento e muito trabalho, é possível acabar com esse mal que nos assola. O artigo foi publicado no site Jus Brasil. Aí vai...

“A peste da corrupção tem cura?
Hong Kong mostrou, em poucas décadas, que a corrupção tem cura. Fez tudo certo: educação, prevenção e repressão (tudo junto). No Brasil, no entanto, prepondera a ideologia de que somos o “vale das propinas” (coirmã da ideologia do “vale das lágrimas”, que diz que passamos pela Terra apenas para sofrer, daí a necessidade de salvação). Aqui achamos que a corrupção não tem cura. Dizem: “é da nossa cultura” (por essa via algumas autoridades e empresários tentam justificar suas bandalheiras); “está enraizada”; as bandas podres das classes dominantes, as que corrompem na casa dos bilhões (veja Petrobras, Carf, Trensalão etc.), afirmam: “desde a Bíblia já se fala em corrupção”; “sempre foi assim”. Resultado: quanto mais naturalizada, mais impune fica a corrupção. Como era e como ficou Hong Kong depois das medidas anticorrupção?
Diante do rápido desenvolvimento econômico e social, se Hong Kong não tivesse adotado medidas certeiras calcula-se que atualmente estaria no patamar de China, México, Argentina e Indonésia, países que de acordo com o ranking mundial de corrupção 2014, da ONG Transparência Internacional, estão entre as posições 100º e 107º, dentre 174 países. O Brasil ocupa a 69ª posição. E Hong Kong, que nos anos 60/70 era considerado um dos territórios mais corruptos do mundo, está na 17ª posição, à frente de Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo. Evolução impressionante em menos de meio século. Como isso se tornou possível onde vigorava a cultura do “money tea” (dinheiro do chá), que equivale ao nosso jeitinho?
Todos os setores sociais (com destaque para a polícia) achavam-se completamente contaminados pela “cultura da corrupção”. Em 1971 começou a grande virada, com a descoberta do caso “PF Gedber” (policial que ficou rico com a corrupção). Ele se aposentou. Após incontáveis protestos da população, em 1974, foi criada uma das organizações anticorrupção mais poderosas do mundo: a Comissão Independente Contra a Corrupção (algo que poderia ser imaginado no Brasil, mesclando agentes do Estado com a sociedade civil). A Comissão, inovadoramente, com três departamentos, focou em educação, prevenção e repressão. A ponte para a solução real do problema é composta de três vias.
Qual o seu legado? Uma só via (repressão) não funciona. É como cortar grama, que renasce. Só indo à raiz é que se resolve o problema. O Departamento de Operações centraliza todas as “denúncias” de corrupção (assegurando o sigilo e dando apoio ao denunciante) e faz as devidas investigações com rapidez. Luta com denodo pela “certeza do castigo”. O Departamento de Prevenção difunde práticas e procedimentos que reduziram drasticamente a quantidade de corrupção; o Departamento de Relações com a Comunidade cuida da educação e propaga os malefícios da roubalheira. Usa propagandas massivas. Atua em escolas, organizações distritais, no setor público e no privado: educa os jovens, difundindo ética e moralidade aos cidadãos. Em todas as apresentações as personagens protagonizam dilemas éticos, vencendo sempre o honesto.
O Índice de Liberdade Econômica 2012, da Fundação Heritage, com sede nos Estados Unidos, apontou uma tolerância mínima para a corrupção em Hong Kong e eficácia exuberante nas medidas anticorrupção da cidade. Em outra pesquisa, feita pela ICAC, numa escala de 0 a 10 onde zero é extremante intolerante à corrupção e 10 totalmente tolerante, os cidadãos de Hong Kong obtiveram uma média de 0,8 pontos na última década. Mudanças de valores são mais importantes que apenas reformar as leis penais. A via repressiva exclusiva, sobretudo quando populista, satisfaz a ira da população irada, mas não resolve o problema. Se Hong Kong, uma nação que tinha uma posição muito pior que a do Brasil anos atrás conseguiu, por que não podemos conseguir?
Luiz Flávio Gomes: Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).”

Grande abraço

Douglas Drumond

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Diminuição da maioridade penal: um retrocesso!

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados deu hoje o aval para que a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos possa tramitar nas duas Casas (Câmara e Senado).

O Poder Legislativo brasileiro com isso inicia um grande retrocesso em sua lei penal, indo na contra-mão do que se espera de uma nação que, ao menos no slogan, se diz "educadora"!

Ao contrário do que muita gente boa pensa, o direito penal não existe para punir as pessoas, mas para proteger seus cidadãos do poder punitivo do Estado. As penas existem para trazer segurança social, mas sempre visando a uma sociedade livre, justa e solidária. E deveria fazê-lo através da ressocialização daqueles que infringem as regras sociais.

A própria lei de execução penal (lei 7.210/84), já em seu artigo inaugural, menciona a efetivação da "harmônica integração social do condenado e do internado" como objetivo principal da execução da pena.

Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) confere ao menor de 18 anos uma série de direitos, os quais na prática já não são cumpridos pelo incompetente Estado brasileiro, entre eles, habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; receber escolarização e profissionalização; realizar atividades culturais, esportivas e de lazer; ter acesso aos meios de comunicação social, receber assistência religiosa; etc.

No afã de dar à sociedade a resposta que sai na imprensa, aquela que muitos querem ouvir, como se fosse resolver ou ao menos atenuar o problema da violência, o mesmo Estado omisso em seus deveres para com seus jovens, agora propõe, de maneira irresponsável e vil, jogar justamente aqueles que, pela idade, teriam mais chances de se ressocializar, no mesmo espaço físico de presos veteranos, sujeitos às mesmas penas e a um ambiente ainda mais pernicioso.

A verdade que as pessoas não admitem enfrentar é que a solução do problema demanda dinheiro, vontade política e o fim definitivo de ganhos escusos, provenientes da promiscuidade entre policiais (mais graduados ou menos graduados), políticos e traficantes (maiores ou menores). Mais fácil é, sem dúvida, atribuir a culpa ao inimigo comum da sociedade, o bandido e o adolescente de comunidades pobres.

Como já vaticinou o Ministro Marco Aurélio Mello, "não vamos dar uma esperança vã à sociedade, como se pudéssemos ter melhores dias alterando a responsabilidade penal, uma faixa etária para se ser responsável nesse campo. Cadeia não conserta ninguém".

Palmas para a incompetência e a irresponsabilidade!!!

Grande abraço,

Douglas Drumond