Normalmente,
os textos que posto aqui no Las Brujas são meus; mas o artigo abaixo, do
professor Luiz Flávio Gomes, é tão esclarecedor, que achei por bem
transcrevê-lo na íntegra. Esclarecedor, porque mostra que, desde que, com
responsabilidade, planejamento e muito trabalho, é possível acabar com esse mal
que nos assola. O artigo foi publicado no site Jus Brasil. Aí vai...
“A peste da corrupção
tem cura?
Hong
Kong mostrou, em poucas décadas, que a corrupção tem cura. Fez tudo certo:
educação, prevenção e repressão (tudo junto). No Brasil, no entanto, prepondera
a ideologia de que somos o “vale das propinas” (coirmã da ideologia do “vale
das lágrimas”, que diz que passamos pela Terra apenas para sofrer, daí a
necessidade de salvação). Aqui achamos que a corrupção não tem cura. Dizem: “é
da nossa cultura” (por essa via algumas autoridades e empresários tentam
justificar suas bandalheiras); “está enraizada”; as bandas podres das classes
dominantes, as que corrompem na casa dos bilhões (veja Petrobras, Carf,
Trensalão etc.), afirmam: “desde a Bíblia já se fala em corrupção”; “sempre foi
assim”. Resultado: quanto mais naturalizada, mais impune fica a corrupção. Como
era e como ficou Hong Kong depois das medidas anticorrupção?
Diante
do rápido desenvolvimento econômico e social, se Hong Kong não tivesse adotado
medidas certeiras calcula-se que atualmente estaria no patamar de China,
México, Argentina e Indonésia, países que de acordo com o ranking mundial de
corrupção 2014, da ONG Transparência Internacional, estão entre as posições
100º e 107º, dentre 174 países. O Brasil ocupa a 69ª posição. E Hong Kong, que
nos anos 60/70 era considerado um dos territórios mais corruptos do mundo, está
na 17ª posição, à frente de Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo. Evolução
impressionante em menos de meio século. Como isso se tornou possível onde
vigorava a cultura do “money tea” (dinheiro do chá), que equivale ao nosso
jeitinho?
Todos
os setores sociais (com destaque para a polícia) achavam-se completamente
contaminados pela “cultura da corrupção”. Em 1971 começou a grande virada, com
a descoberta do caso “PF Gedber” (policial que ficou rico com a corrupção). Ele
se aposentou. Após incontáveis protestos da população, em 1974, foi criada uma
das organizações anticorrupção mais poderosas do mundo: a Comissão Independente
Contra a Corrupção (algo que poderia ser imaginado no Brasil, mesclando agentes
do Estado com a sociedade civil). A Comissão, inovadoramente, com três
departamentos, focou em educação, prevenção e repressão. A ponte para a solução
real do problema é composta de três vias.
Qual o
seu legado? Uma só via (repressão) não funciona. É como cortar grama, que
renasce. Só indo à raiz é que se resolve o problema. O Departamento de
Operações centraliza todas as “denúncias” de corrupção (assegurando o sigilo e
dando apoio ao denunciante) e faz as devidas investigações com rapidez. Luta
com denodo pela “certeza do castigo”. O Departamento de Prevenção difunde
práticas e procedimentos que reduziram drasticamente a quantidade de corrupção;
o Departamento de Relações com a Comunidade cuida da educação e propaga os
malefícios da roubalheira. Usa propagandas massivas. Atua em escolas,
organizações distritais, no setor público e no privado: educa os jovens,
difundindo ética e moralidade aos cidadãos. Em todas as apresentações as
personagens protagonizam dilemas éticos, vencendo sempre o honesto.
O
Índice de Liberdade Econômica 2012, da Fundação Heritage, com sede nos Estados
Unidos, apontou uma tolerância mínima para a corrupção em Hong Kong e eficácia
exuberante nas medidas anticorrupção da cidade. Em outra pesquisa, feita pela
ICAC, numa escala de 0 a 10 onde zero é extremante intolerante à corrupção e 10
totalmente tolerante, os cidadãos de Hong Kong obtiveram uma média de 0,8
pontos na última década. Mudanças de valores são mais importantes que apenas
reformar as leis penais. A via repressiva exclusiva, sobretudo quando
populista, satisfaz a ira da população irada, mas não resolve o problema. Se
Hong Kong, uma nação que tinha uma posição muito pior que a do Brasil anos
atrás conseguiu, por que não podemos conseguir?
Luiz Flávio Gomes:
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do
Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito
(1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).”
Grande abraço
Douglas Drumond
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