sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Saramago e a cegueira

Acabo de ler dois livros de Saramago: "Caim" e "Ensaio sobre a cegueira". Há tempos tinha vontade de ler Saramago, mas sempre acabava adiando; agora li. Adorei. Principalmente "Ensaio...", uma análise profunda sobre o comportamento humano, sua natural condição de lobo do próprio homem, como pensava Thomas Hobbes (homo homini lupus), que, não obstante a cegueira geral, o sofrimento coletivo, é capaz de manter, e até potencializar, as relações de poder e domínio sobre seus semelhantes. Interessante a metáfora usada pelo autor, ao eleger a cegueira como elemento de limitação e de sofrimento: a cegueira do homem moderno, egocêntrico e individualista; a cegueira do autoritarismo, a cegueira da falta de ética, enfim, a cegueira para o que realmente importa...

A trama se dá à medida em que as pessoas de uma cidade vão ficando cegas, uma a uma, subitamente, numa epidemia de uma cegueira contagiosa, que leva as autoridades a isolar os primeiros grupos de cegos em um antigo manicômio, na tentativa vã e atrapalhada de extirpar o problema.

Cria-se, então, nesse isolamento, um mundo à parte, em que os confinados, cegos, sem comida suficiente, sem pessoas sãs a ajudar - ninguém que ainda não fosse cego se dispunha a arriscar-se a ser também contagiado pela doença -, sem as providêncais mais básicas de higiene, têm de... sobreviver. Nesse mister, criam-se grupos distintos; um deles tenta dominar pela força, e inicialmente consegue...

Em determinado momento, todos na cidade cegam, inclusive os guardas que mantinham o manicômio fechado. Sem guardas a vigiá-los, os cegos do manicômio saem, e inicia-se uma nova luta pela sobrevivência, agora não mais no microcosmo do manicômio, mas a céu aberto, na cidade inteira, visão do inferno: imunda, mal-cheirosa, sem luz, sem água, com cadáveres em decomposição por toda parte, alguns devorados pelos cães famintos...

Vale a pena ler "Ensaio sobre a cegueira". É um livro profundo, empolgante, que nos faz refletir sobre nossa própria condição, sobre nosso próprio comportamento enquanto parte de uma engrenagem a que chamamos humanidade.



Grande abraço.


Douglas Drumond

2 comentários:

Raquel Abrantes disse...

Oi, priminho!

Nossa, Saramago realmente desvenda a natureza humana neste livro... mostra tudo o que o ser humano é capaz de fazer quando tem MEDO. Parece uma história precursora da catástrofe atual no Haiti, mas não é isso. É apenas o instinto básico da humanidade... que é facilmente corrompida de acordo com a falta de limites, e o retorno à selvageria ocorre progressivamente sem o menor pudor.

Outro aspecto do livro que chamou muito minha atenção: os personagens não têm nome. Porque, no fundo, todos têm a mesma natureza. E a ética é facilmente esquecida em meio ao caos.

Grande beijo! Adorei o blog!

Raquel.

Licy disse...

Douglas querido,

Observo este tipo de cegueira da humanidade, como uma orquestrada aversão à analise de sua verdadeira essência e fins.
Quando a ética e o bem comum deixam de ter sentido, dando lugar à ganância e à sobrepujança do outro, o indivíduo se animaliza, se embrutece e se escravisa daquilo, que na realidade não tem a menor importância.
O que sobra disto então, é a desordem gerando o NADA.
É uma boa reflexão!

Beijos, Licy