quinta-feira, 22 de abril de 2010

Renúncia e impunidade

Vejam só como são as coisas: de tanto ver e ouvir as escabrosas notícias de corrupção na política brasileira, e de tanto condenarmos, íntima ou abertamente, as brechas deixadas propositalmente pelos legisladores para proteger a eles próprios, acabamos sendo levados a imaginar que isso só acontece no meio político, e só no Brasil.

Exemplo disso é o salvo-conduto que têm os parlamentares para renunciarem a seus mandatos como tábua de salvação para evitar a iminente cassação. É, digamos, o assento ejetor, acionado no segundo imediatamente anterior à destruição total de um caça, já abatido. É a saída honrosa (honrosa???) de uma situação que já se sabe perdida. É a prova cabal e absoluta da evidente corrupção.

Pois bem, dizia eu que, ao ouvirmos que este ou aquele deputado renunciou a seu cargo para evitar a cessação, imaginamos ser este o retrato do político brasileiro, como se tal índole somente a ele pertencesse.

Ledo engano: a técnica da saída estratégica pela porta dos fundos é mundial, é do homem público em geral. Veja-se o exemplo que vem, quem diria, do Papa Bento XVI, que aceitou a renúncia do bispo irlandês James Moriarty e de mais outros dois bispos, após as denúncias de pedofilia que abalam hoje a Igreja Católica. A renúncia foi entregue após a divulgação de uma lista onde seu nome figurava como um dos líderes religiosos que encobriram casos de abusos sexuais contra crianças, praticados por padres.

Outro bispo, o alemão Walter Mixa, este acusado de ter ele próprio abusado fisicamente de crianças, além de ter cometido crimes financeiros, também se propôs a renunciar, "para evitar maiores danos à Igreja e permitir um novo começo".

A ninguém com um mínimo de senso crítico parece convencer o argumento de que tais renúncias tragam em si qualquer boa intenção. É óbvio que esses religiosos, tanto quanto ocorre com a nossa velha e odiosa politicagem tupiniquim, estão tentando proteger seus próprios pescoços, com o único objetivo de dar tempo para que a poeira abaixe, e eles reconstruam suas imagens de uma outra forma. Seria realmente muito pouco provável tamanha resignação dessas pessoas, a ponto de se colocarem à margem dos acontecimentos pela renúncia, abstendo-se de se defender, de gritar, de espernear, e de bradar aos quatro ventos "eu sou inocente", ou então de admitir: "errei; punam-me"!

Talvez apenas os homens santos pudessem fazer isso: quem sabe se não é o caso dos bispos do Vaticano, ou, quiçá, dos nossos políticos brasileiros...
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Grande abraço.

Douglas Drumond

Um comentário:

Licy Aslan Drumond disse...

Douglas, querido.
Você abordou temas causadores de repugnância da sociedade.
Indivíduos ocupam cargos na Políca e na Igreja, teoricamente para dar suporte à população, mas ao contrário, aproveitam-se da situação confortável dos postos que assumem, para agir de maneira vergonhosa e desonrosa: Corrupção, peculato, formação de quadrilha, pedofilia, assassinato, etc, etc, etc.
Política X Clero:

Poder material X
Poder espiritual

Comando da Nação X
Comando da Igreja

Usa a necessidade do povo X
Usa a credulidade dos fiéis

Eloquência sedutora no palanque X
Eloquência sedutora no púlpito.

Então, são iguais na deslealdade, no desrespeito, na covardia, na desfaçatez.

Obviamente , que estou me referindo à parcela que desonra estas duas vertentes. Como em todo agrupamento humano, há aqueles comprometidos com a orientação filosóofica, do órgão que representam. A estes, rendo minhas homenagens, apesar de que não fazem, mais do que suas obrigações de homens públicos e de cristãos.
Beijos. Licy